terça-feira, 13 de novembro de 2007

Crianças em perigo

Poucos temas provocam tanta reação quanto o envolvimento sexual entre um adulto e uma criança. Os casos do tipo raramente vêm a público. No geral, os pais preferem se omitir a expor publicamente seus filhos e a si próprios. No início do ano, um caso conseguiu romper o silêncio que cerca a pedofilia. Os principais veículos de comunicação do país expuseram a história do biólogo Leonardo Chain, de 27 anos, monitor de um acampamento de férias para crianças em Atibaia, interior de São Paulo. O "tio Léo" foi surpreendido pela polícia com um farto material pornográfico: 19 fitas de vídeo e 40 cuecas infantis. Numa das cenas, aparece fazendo sexo oral com um garoto de 12 anos. E o mais surpreendente: Chain confirmou tudo. "Na Grécia antiga, isso era completamente natural. Platão nunca foi condenado por fazer o que eu fiz. Nossa sociedade é que não aceita o pedófilo", declarou.

Embora alardeada, a história de Leonardo está longe de ser um acontecimento isolado. Apenas no ano passado, a Diretoria de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) da Polícia Civil registrou 74 casos de abusos sexuais cometidos contra crianças na Região Metropolitana do Recife. "Quase sempre, são tios, amigos da família e até pais que têm envolvimentos de conotação sexual com crianças", aponta a psicoterapeuta Albânia de Carli. Os dados da DPCA confirmam: dos 14 casos já registrados este ano, todos foram cometidos por parentes da própria criança. "Isso é só o que conhecemos. Não se pode precisar a quantidade de ocorrências", afirma a delegada Olga Câmara, da DPCA.

GRÉCIA ANTIGA - O biólogo Leonardo Chain em parte tem razão. Na Grécia Antiga, civilização que junto à Romana deu origem ao mundo ocidental, o envolvimento entre jovens e adultos era inclusive estimulado. Mas não com crianças. A partir da puberdade, os garotos tinham a vida sexual iniciada com homens mais velhos. Para, no momento da maturidade, estabelecerem relações estáveis com as mulheres.
Com a disseminação do cristianismo, a prática foi condenada, embora não se saiba em que exato momento. Uma análise desprovida do teor emocional que envolve a questão, pode revelar que o comportamento familiar da sociedade atual ainda guarda resquícios da pedofilia de outros momentos. "Há brincadeiras socialmente aceitas como as que os tios fazem puxando o pênis dos meninos, obrigando-os a situações vexatórias. Não parece mas essas brincadeiras têm uma grande carga pedófila", aponta Albânia de Carli.

DOMINAÇÃO - De acordo com os especialistas, não é apenas o ato sexual o que importa ao pedófilo. Sua satisfação advém da dominação que é imposta à criança. O prazer vem associado ao poder. "O pedófilo é incapaz de manter uma relação madura com alguém de sua idade. Seu prazer está na subjugação da criança", aponta Albânia. Detectar os casos é difícil. Em geral, os pedófilos não têm um traço de personalidade evidente e não precisam necessariamente apresentar complexo de inferioridade.

"A pedoflia tem a ver apenas com prazer e é determinada por um erro estrutural no crescimento mental. E tem mais: para o pedófilo, a prática é natural, pois não há culpa na sua cabeça. É como tentar convencer um sadomasoquista do sofrimento da dor", ressalta outra especialista na questão, a psicanalista Isabel Feitosa.

Há pessoas que podem ser exclusivamente pedófilas, como há as que podem exercer a prática eventualmente. "A relação com a criança vai suprir o desejo que o pedófilo procura. Ele pode ser casado e ter filhos. Mas faz sexo apenas para prestar satisfação à sociedade. A perversão vai suprir suas necessidades", explica Feitosa. A psicanalista faz questão de lembrar que a pedofilia não está restrita ao sexo masculino: "Isso pode ocorrer tanto com homens como com mulheres", lembra.

"O que me atrai é a textura da pele jovem, a quase definição dos músculos e a disposição física", explica o bancário K.J.P, 28, que já mateve relações duradouras com garotos de até 16 anos de idade e diz não se considerar exatamente um pedófilo. "Gosto de proteger, não de dominar", fala.

A hipocrisia no comportamento pode ser também o disfarce perfeito para o indivíduo perverso. Para entender o termo é preciso recorrer a Freud. De acordo com suas teorias, qualquer prática que não busque uma realização sexual madura caracteriza-se pela perversão. "Muitas vezes, o pedófilo é mais rigoroso no discurso moral que os outros. Uma suposta rigidez de caráter não isenta ninguém", afirma Albânia de Carli. "É na meia-idade que a pedofilia se manifesta com mais freqüência. Em grande parte, isso é causado pela instabilidade emocional que acompanha a impotência", complementa a especialista.

Jornal do CommercioRecife - 21.03.99

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